quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A Gruta dos Sonhos e o Cinema 3D

Estreou recentemente entre nós nas salas comerciais o filme "A Gruta dos Sonhos Perdidos".
Para além da temática fascinante, o filme foi para mim um sinal de esperança na tecnologia 3D. Se tantas vezes o cinema de ficção tem-me defraudado na exploração das possibilidades dramáticas da tecnologia, o cinema documental revela poder ser um campo onde o 3D nos pode levar realmente a novas dimensões.


Reconheço que as recentes tecnologias de exibição tridimensional têm vindo a desiludir-me.
Após um período inicial de forte entusiasmo onde, por razões profissionais e académicas, acompanhei os primeiros desenvolvimentos da área, aguardei com grande expectativa a chegada deste universo aos grandes filmes da indústria do cinema. O que parecia o início de um caminho curioso e cheio de potencialidades, no geral veio a resumir-se a uma mera demonstração de efeitos especiais exóticos e inúteis que tantas vezes apenas perturbam o desfrutar natural e relaxado do filme.

Vi bastantes filmes em 3D que não achei particularmente interessantes. Mas frequentemente adorei revê-los em imagem tradicional, onde facilmente me envolvia nas suas tramas e ambientes. A realidade é que o 3D não fazia falta nenhuma à história, muito pelo contrário. Na minha opinião, a única obra que até ao momento explorou profundamente as possibilidades dramáticas abertas pela tecnologia foi o filme Avatar, de James Cameron. Não que o 3D seja indispensável para a história, que até é relativamente banal. Mas, conjugado com a passagem das personagens para o universo alternativo do planeta Pandora, uma leve profundidade era criada à nossa volta que enriquecia a nossa imersão no ambiente do planeta.

Tudo isto a propósito do filme "A Gruta dos Sonhos Perdidos", de Werner Horzog.
O filme descreve uma expedição exclusiva de vários cientistas à gruta de Chauvet-Pont-d'Arc, descoberta em 1994, onde foram identificadas centenas pinturas primitivas em excelente estado de conservação, algumas com mais de 30.000 anos - as mais antigas algumas vez encontradas. Acompanhando cientistas de diferentes áreas, o filme permite acedermos a um local inacessível para o comum dos cidadãos, pois a gruta não permite quaisquer visitas e mesmo o acesso da comunidade científica é muito condicionado. A vantagem do 3D nesta obra face a um filme tradicional, ainda para mais visto numa sala de cinema, é que permite um envolvimento é muito maior criando a ilusão de nós próprios estamos a entrar nas grutas. O jogo de luz e sombras da exploração espeleológica parece combinar-se harmoniosamente com a projecção cinematográfica, como se a sala fosse também ela uma recanto da própria gruta. O equipamento utilizado pelos cientistas e as suas dificuldades em transpor as passagens mais difíceis fazem-nos sentir priveligiados por estarmos sentados e munidos de uns simples óculos, acompanhando a exploração sem as dificuldades de estarmos fisicamente na gruta.

E depois há a descoberta das pinturas que a tridimensionalidade do filme amplia e realça. Habituados que estamos a observar estas pinturas em páginas bidimensionais de livros ou revistas, descobrimos uma volumetria de figuras belíssimas, com faces ocultas em que a imagem nunca é totalmente visualizada, num jogo dinâmico de fundos e formas em descobertas constantes que só o cinema permite. Foi para mim uma verdadeira revelação vislumbrar aquelas imagens no seu real contexto, que enhuma representação fotográfica poderá fazer justiça.

As experiências de cinema 3D, quando aliadas a narrativas documentais, são verdadeiramente enriquecedoras. Lembro-me de outros exemplos, como as filmagens dos astronautas da Nasa na Estação Espacial Internacional ou o documentário sobre as gigantescas ondas de Teahupo'o no Tahiti. O facto de estarmos perante imagens captadas em contexto real, realizadas com o propósito de descreverem locais ou acções concretos e que nunca teríamos acesso em condições normais, justifica o recurso ao 3D como forma de melhor transmitir a informação - e nos melhores exemplos, a sensação de lá estar. No fundo, vêem acrescentar novos níveis de informação ao documentário.

Mas poderão facilmente ir além disso, recriando os universos mais suis generis nas nossas salas de cinema. E sem precisarem de atirar miríades de objectos na nossa direcção só porque é possível. No cinema documental, se algo salta na nossa direcção é a sério. E isso faz toda a diferença.

Nuno Lacerda

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