sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Smiless

A bem da complexidade comunicacional, é preciso resistir ao imbecilóide do bonequinho que ri.
A ironia é uma coisa com piada. É exactamente como levar uma criança para um jardim de pedófilos. À mínima distracção perdemo-la de vista. Aplique-se, por exemplo, a questão da ironia ao caso do Irão. Milhares de livros publicados em 30 anos a especular como seria um hipotético fim da teocracia e nunca ninguém poderia imaginar que esta tremeria com o passaroco azul do Twitter, que uma república de deus abanasse com dois verbos, um substantivo e onde um advérbio já nem cabe nos 140 caracteres permitidos.
A ironia exige maturidade mental e um certo refastelamento posicional, pois é um acto deliberado de distanciamento do objecto.
É por isso que temo por ela quando constato que na forma de SMS/chat do Facebook Messenger a comunicação catapulta adultos intelectualmente viáveis e sãos para uma existência infantilizada como se tivéssemos todos obrigatoriamente de falar um baby talk universal em alternativa a cair numa horrível Babel de insinuações, que só os smileys, os patéticos smileys, nos podem salvar! Tenham dó...
Um smiley no fim da frase, seja na forma de sorriso largo, carinha triste, piscar de olho ou língua de fora salivante reduz-nos a simplórios numa creche civilizacional em que babamos no teclado e temos de explicar que estamos na brincaderinha: "Essa roupa fica-te horrível :-P" É assim como aqueles que fazem aspas com os dedos. Nada de estados de alma complexos nem - oh lá lá - à sofisticação de uma leitura nas entrelinhas.
Não tarda e a simples confidência de um estado de alma ambíguo, não binário, acabará por mandar a Rede abaixo. "Não sei se estou bem ou mal, hesito..." Zssschhhh. Error 154.
Almoça-se com uma pessoa séria daquelas que sabem usar talheres de forma coreografada e discute-se o orçamento da empresa, a polémica literária do J. D. Salinger, o Woody Allen favorito entre alheamentos silenciosos carregados de sentido.
Despedimo-nos, e horas depois "encontramo-nos" no Facebook. Ora, "a bem da comunicação", temos que suspender o nosso aparelho retórico, mandar a ironia e o sarcasmo para as malvas, meter a antonomásia e a metonímia no tupperware e fingir que nunca nos embrulhámos com o eufemismo.
E regressamos a uma infância linguística da Net reduzida a cinco emoções básicas e no fim de balbuciar um curto enunciado (enquanto faço mil outras coisas).
- Gostou do almoço :-D?
- Da comida sim. Da companhia nem por isso ;-)
Ora se não estivesse ali aquele olhito virguloso a piscar no fim da frase estava tudo tramado.
"É que o texto das mensagens não tem o tom", dizem-me. Oh! Há milhares de anos que a escrita cria Deuses, canta o Amor, chora a perda, imortaliza heróis... e agora precisa de um hieróglifo que um chimpanzé descodifica em troca de um rebuçado para se perceber... o tom irónico ;-((
Qual a relevância desta questão?
É que mais uns tempos e os smileys terão tomado a escrita mainstream de jornais ou o rodapé dos noticiários - "Forte queda nas Bolsas :-( " - sem os quais já não teremos capacidade para entender se o enunciado anterior é positivo ou negativo. Mesmo agora, numa comunicação facebookiana, já não vai sendo possível renegar o smilês, sem que se vá criando inimizades porque do 'lado de lá' nos interpretam como má educação\/arrogância essa ausência de sorrisinhos descodificadores patetas! É como ir ao Japão entrar de sapatos nas casas, não usar talheres no Ocidente ou dizer mal das tripas do mestre Hélio no Porto. Temos de obedecer à tendência "National Geo".
- "A menina precisa de tau-tau"
- "A menina precisa tau-tau ;-)"
A segunda hipótese poderá, eventualmente, conter um futuro promissor. A primeira, sei-o agora, só dissabores, uma ameaça de queixa na polícia e a disseminação na rede que sou um atrasado mental. Ora, dizer tal apenas por não ter usado um smiley é uma ironia ;-)a>.

Texto de Luis Pedro Nunes.

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