Durante o seu longo processo histórico, verificaram-se vários modelos de organização política da Península Ibérica. Variaram entre a existência de um único poder político peninsular, até à coexistência de mais de uma dúzia de Estados independentes.
O modelo "visigótico" caracteriza-se por uma península unipolar. Existiu por pouco tempo (cerca de um século), quando os visigodos alargaram o seu poder a toda ela; repetiu-se imediatamente depois de concluída a conquista muçulmana (por um período de tempo ainda menor); e a última Ibéria unificada, a dos Filipes, é também historicamente breve (1580 - 1640).
Igualmente, o modelo das "Taifas", com a península muito fragmentada, pelo aparecimento de uma multiplicidade de micro reinos (sobretudo islâmicos) durante o século XI, nem chega a atingir o fim desse século, com a chegada dos Almorávidas, que reunificaram politicamente o território islâmico.
Estas duas situações extremas foram todas de uma duração breve, como se houvesse algo que impulsionasse para a fragmentação política, no primeiro caso, e para a unificação, no segundo.
Os modelos mais frequentes, mais duráveis e de maior estabilidade registaram-se com a convivência de várias (entre três a seis) unidades políticas e/ou administrativas. O exemplo clássico desse modelo, que poderemos designar por "romano", manteve-se nos 500 anos da existência do Império (3 a 5 províncias); regressou durante os últimos duzentos anos do final da Idade Média (5 reinos) até à unificação espanhola e à extinção do reino de Granada (1492).
Tratava-se de uma situação multipolar, em que as unidades por que a península se repartia dependiam principalmente do potencial que produziam e também do jogo estratégico das suas relações (no caso do período medieval). Todos os pólos tinham uma dependência política de um centro que lhes era exterior. De forma evidente quando Roma era capital do Império, de forma mais subtil quando esta passou a ser a sede da cristandade.
O modelo a que chamamos "de Tordesilhas" prevaleceu, grosso modo, a partir da data (1494) em que foi assinado o tratado com o mesmo nome, até à actualidade. Traduz-se numa Ibéria bipolar (Portugal, um Estado nacional, e Espanha, um Estado plurinacional), em que os potenciais estratégicos dos dois países, bem diferentes na península, são exponenciados pelas fatias de mundo que, respectivamente, descobriram e colonizaram, de tal modo que se tornaram praticamente a principal, quase única fonte dos seus rendimentos. A progressiva ascensão de outras potências europeias, que lhes iam reduzindo os territórios de exploração, e as sucessivas descolonizações que se viram obrigados a fazer, enfraqueceram-nos.
A liquidação dos impérios coloniais produziu efeitos que permitem afirmar que o modelo de "Tordesilhas" (península bipolar) se encontra em crise. Que se deve também ao novo contexto surgido com o final da guerra fria - globalização, desaparecimento das fronteiras para os movimentos de pessoas, bens e capitais no interior da península, por efeito da pertença dos seus dois Estados à União Europeia, alinhamento estratégico idêntico nas principais questões internacionais, com a Espanha a voltar-se para o Atlântico quando tradicionalmente preferia o continente. Todos estes factores colocam desafios tais à organização política peninsular actual, que não admira que o modelo de Tordesilhas esteja a ser posto em causa.
Aqui chegados, três hipóteses se levantam: manter-se o modelo actual, apesar dos ataques violentos a que está a ser sujeito; ser substituído por um único Estado alargado a toda a península, pela absorção de Portugal pela Espanha; ou caminhar-se para um modelo do tipo romano, com uma ordem regional multipolar, constituída por três, quatro ou cinco unidades políticas independentes, em que as regiões espanholas com maior identidade nacional e mais ricas assumem o poder político, - Portugal, e, eventualmente: o remanescente do actual Estado espanhol, País Basco, Catalunha, Andaluzia e Galiza, todas dirigidas em parte por um poder regulador exterior à região (órgãos institucionais da União Europeia).
Os actuais factores dominantes que, provavelmente, ditarão o sentido da evolução são: o desaparecimento das fronteiras, por via da UE; e, porventura, o posicionamento de cada um dos Estados peninsulares relativamente aos EUA, enquanto única superpotência, combinado com a forma como ela olhar para a península.
O primeiro parece-me o decisivo. Em termos económicos, a Ibéria já é multipolar. Na Espanha, por virtude da artificialidade geométrica do seu centro político que surgiu apenas por motivos político-estratégicos, os grandes centros periféricos, onde a península produz riqueza, tendem a constituir pólos em competição. Esta competição pode conduzir à diminuição do poder político da capital, como parece estar a ser tentado. O que é susceptível de conduzir ao perigo de fragmentação, se as políticas do centro forem demasiado assertivas, típicas de quem está na defensiva, em vez de se limitarem às linhas essenciais, para a impedir. Muitos já prenunciam que o rei se transformará no único elemento unificador. As regiões centrais, mais pobres, que gravitam à volta do centro geométrico e deste facto beneficiam, reagirão.
A actual multipolaridade económica abrange Portugal, por força das regras da União. Terá de competir arduamente com os outros poderosos pólos existentes, como a Catalunha e o País Basco (no futuro, eventualmente outros), entre os quais Madrid, simultaneamente núcleo político. Portugal, relativamente aos restantes, com excepção de Madrid, tem a vantagem de ter também poder político, mas pode enfraquecer se perder a competição económica. O essencial depende do resultado do jogo económico, que está na mão dos portugueses com voz activa nas empresas, especialmente das nacionais. O Estado português apenas deverá limitar-se a fazer aquilo que os restantes Estados da UE fazem, seguindo o exemplo de Madrid. Ou seja, o futuro está nas nossas mãos. Poderemos ter as mesmas vantagens dos outros, caso saibamos aproveitar as oportunidades que se criaram pela abertura dos mercados à nossa ambição.
As condições são-nos mais favoráveis que a Madrid. Enquanto este centro tenderá a perder poder político, por efeito do jogo económico, nós poderemos aumentá-lo, pelo mesmo motivo. Mas também poderemos perdê-lo. O que ditará o futuro.
Dispomos de vantagens que sobressaem. Uma é a recomposição do espaço, em termos de atracções e repulsões, propiciado pelo fim das fronteiras, em função, já não do factor político geométrico, mas sim do potencial de riqueza das regiões. O hinterland de toda a costa ocidental da península tenderá a ser atraído pelo mar, o que envolve grande parte da Estremadura e da região de Leon. O Norte português pode transformar-se num importante pólo de atracção do Noroeste Peninsular. Adoptemos nós políticas activas de ordenamento, que contrariem a lógica da centralidade geométrica, e promovam as ligações periféricas na península (também desejadas pelos outros pólos naturais) e as ligações directas à planície europeia, e às economias das duas margens do Atlântico (Norte e Sul) e dos países europeus para lá da Espanha. Além de sermos sagazes e eficientes no jogo político e económico de compensação e de afirmação, com os poderes que marginam o Atlântico, especialmente os EUA e o Reino Unido, além do Noroeste africano, Brasil e Angola, sem esquecer a Ásia.
Em suma, está nas nossas mãos que o futuro seja, no mínimo, a manutenção do actual modelo. Existem condições para o tornarmos menos assimétrico. Se as políticas assertivas de Madrid se acentuarem, poderemos ser confrontados com uma transição para uma multipolaridade complexa, susceptível de custos elevados, pelo que, para os minimizar, devemos prever que atitudes promover nesta hipótese. Não parece provável que alguém esteja interessado, muito menos tenha condições de impor um modelo unipolar, que seria desastroso para todos.
Se formos sábios e prudentes, manter-se-á o actual modelo bipolar mas menos desequilibrado, em que Portugal conviverá com um Estado espanhol despojado de muito do seu poder económico e politicamente mais débil.
Desconheço a origem...
sábado, 16 de janeiro de 2010
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